Apesar de a epidemia ter se propagado inicialmente em grandes metrópoles (fortemente conectadas por linhas aéreas nacionais e internacionais), nas últimas semanas 44% das cidades médias (20 mil e 50 mil) passaram a contar com casos de Covid-19 e a tendência é o crescimento de ciclos de transmissão em cidades pequenas, localizadas em grande parte no interior do Brasil.
Com casos espalhados em 71,5% das regiões brasileiras, a doença avança em direção às cidades do interior, onde há menor oferta de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) e respiradores.
A conclusão é de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Eles compararam dados da semana de 27 de março a 23 de abril com os da semana de 17 a 23 de abril e constataram que a doença já é registrada em 100% das regiões mais populosas, e que o número de regiões menores com casos confirmados mais do que triplicou.
A nota técnica com as informações usa dados sobre saúde da pesquisa Região de Influência das Cidades (Regic), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que identificou os deslocamentos intermunicipais da população que busca serviços de saúde e agrupou as cidades em regiões.
De acordo com com o documento, a principal preocupação dessa tendência se deve ao fato de que “metade das regiões para onde a doença se difunde apresenta recursos de saúde abaixo dos parâmetros indicados para situações de normalidade”.
“O avanço do Covid-19 em direção às cidades menores revela uma situação preocupante em razão da menor disponibilidade e capacidade de seus serviços de saúde. Isso direciona a busca pelo atendimento médico aos centros urbanos de referência para o tratamento da doença, o que tende a ampliar a pressão sobre os serviços de saúde nas grandes cidades. Esse já é um quadro preocupante em cidades polo, como Manaus, que atende não só aos moradores do município, mas também a pessoas vindas de um conjunto de pequenas cidades e vilas situadas ao longo de rios”, comenta Diego Xavier, epidemiologista do Icict/Fiocruz.
Os dados do estudo do IBGE baseiam-se no conceito de Regiões de Influência das Cidades (Regic), que colocam os municípios em uma nova distribuição regional, de acordo com o relacionamento e o deslocamento entre cidades, provocado pela necessidade do atendimento à saúde.
As Regics refletem a realidade das populações de cidades menores, que contam com pouco ou nenhum serviço de saúde pública, e que procuram regularmente o atendimento em outros municípios maiores e/ou com melhor atendimento. Leva em consideração, inclusive, o atendimento a pacientes de outros estados e até países (Bolívia e Paraguai).
Na primeira semana analisada (27/03 a 02/04), a doença havia chegado a 158 regiões brasileiras (20,8%), número que saltou para 542 (71,5%) na segunda semana (17/04 a 23/04). Entre as 76 regiões que somam mais de 500 mil habitantes, 100% já registram casos e 88,2% já contabilizam mortes causadas pela covid-19.
Entre as regiões que somam 100 mil a 500 mil habitantes, 92,1% já anotam casos, e 39,6%, mortes. Na primeira semana da pesquisa, os percentuais eram de 34,7% e 3%.
A expansão da doença também foi percebida em 68,4% das regiões de 50 mil a 100 mil habitantes, e em 48,4% das que concentram 20 mil a 50 mil habitantes. Antes, só havia casos confirmados em 15,8% e 7,3% dessas regiões, respectivamente.
Nas regiões com até 20 mil habitantes, a presença da doença aumentou de 3,7% para 22,2%. Duas dessas regiões já registraram óbitos, o que representa 3,7% do total.
Sem leitos
A nota técnica destaca que 50% das regiões de até 100 mil habitantes não têm leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) e, quando considerada a presença de respiradores nos serviços de saúde públicos, as cidades menores também ficam atrás das maiores. A mesma nota considerou os números de respiradores de cada cidade em dezembro de 2019 e comparou com a população contabilizada pelo IBGE naquele período.
Enquanto as regiões com mais de 500 mil habitantes têm, em média, quase 20 respiradores no Sistema Único de Saúde – SUS – para cada 10 mil habitantes, entre as regiões de 20 mil a 100 mil habitantes este número gira em torno da metade.
Nesse grupo, a pesquisa alerta que há regiões com situação alarmante, com menos de três respiradores para 10 mil habitantes. Diante da compra de novos respiradores por autoridades locais, estaduais e nacionais, Barcellos aponta que a distribuição desses equipamentos pode ser orientada pelas carências identificadas na nota técnica.
Outro ponto importante é a necessidade de discutir as medidas de isolamento e afrouxamento de forma conjunta, já que a circulação em uma cidade da mesma região pode fazer com a doença volte a um município.
“Cidades não existem de forma isolada e a avaliação das redes de conexão de cidades deve ser considerada tanto para o planejamento de resposta quanto para definir medidas de relaxamento do isolamento social”, afirma um trecho do documento.
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